No ano de 2021, comemorou-se mundo afora o bicentenário de uma das figuras mais importantes da literatura: Fiódor Dostoiévski. Escritor fecundo, acossado por dívidas e vícios e por questões existenciais , Dostoiévski deu voz a dilemas que ultrapassaram seu tempo, contribuiu para a construção do espaço da narrativa como meio para a discussão das ideias políticas da sociedade russa da segunda metade do século XIX e inspirou pensadores como Nietzsche, Bakhtin, Freud, René Girard, George Steiner e tantos outros. A agonia e a pluralidade dos personagens do autor incorporam sinais do drama humano universal e do que viria a ser a civilização do século XX: caos, destruição, descida ao inferno das guerras e das revoluções, lugar dos afetos ambivalentes, mas também um pequeno sinal luminoso de esperança, amor e redenção. Na obra dostoievskiana, o subsolo surge como locus enunciativo a partir da novela Memórias do subsolo, de 1864, que põe em cena um homem ressentido, cuja sensibilidade é hiperatrofiada e a noção de orgulho é fruto de uma batalha cruel entre se enquadrar na ordem social e no desejo dos seus pares, ou apostar na própria individuação, na singularidade radical. Esse paradoxalista vê as profundezas do subsolo como o único lugar onde é possível pensar e falar livremente, onde suas palavras não serão esvaziadas de sentido e onde pode se refugiar dos interesses do mundo dos que querem taxá-lo, pesá-lo e enquadrá-lo em uma medida estranha a si mesmo. Tal personagem das profundezas será a matriz de obras como Crime e castigo, O idiota, Os Demônios e Os irmãos Karamazov. Do mesmo modo que os personagens dostoievskianos, os indivíduos do nosso país têm de lidar com séculos de uma formação violenta orientada a negar os direitos de minorias e os restos de uma miserável e atrasada estrutura de classes, cujo conteúdo fermenta em um enorme esgoto e, por que não dizer, subsolo, em uma caixa de Pandora na qual a esperança ora desaparece, ora aparece por um breve segundo. Buscar quem se é ou o modo para ser quem se é em meio a crises são lições da obra do autor e desta coletânea, SUBSOLO 2020. Diante à pandemia e ao isolamento, fomos habitantes dos nossos subsolos durante um ano de clausura e agonia. Portanto, 2020 foi também o ano de visitarmos os subsolos do nosso ser, da nossa sociedade, do nosso projeto de modernidade. Nesse sentido, propomos a diferentes escritores e escritoras o desafio de escreverem contos com a temática SUBSOLO 2020, na qual as ideias de Dostoiévski que remetem ao subsolo e ao subterrâneo , pertinentes à sensibilidade artística e à nossa contemporaneidade, comporiam o eixo estrutural e lançariam luz aos dilemas do nosso tempo, deste tempo constituído por esgotos, violência, castigo e pela promessa de suspensão da pena. A quem quiser conhecer mais dos abismos e dos subsolos , Boa leitura!
No ano de 2021, comemorou-se mundo afora o bicentenário de uma das figuras mais importantes da literatura: Fiódor Dostoiévski. Escritor fecundo, acossado por dívidas e vícios e por questões existenciais , Dostoiévski deu voz a dilemas que ultrapassaram seu tempo, contribuiu para a construção do espaço da narrativa como meio para a discussão das ideias políticas da sociedade russa da segunda metade do século XIX e inspirou pensadores como Nietzsche, Bakhtin, Freud, René Girard, George Steiner e tantos outros. A agonia e a pluralidade dos personagens do autor incorporam sinais do drama humano universal e do que viria a ser a civilização do século XX: caos, destruição, descida ao inferno das guerras e das revoluções, lugar dos afetos ambivalentes, mas também um pequeno sinal luminoso de esperança, amor e redenção. Na obra dostoievskiana, o subsolo surge como locus enunciativo a partir da novela Memórias do subsolo, de 1864, que põe em cena um homem ressentido, cuja sensibilidade é hiperatrofiada e a noção de orgulho é fruto de uma batalha cruel entre se enquadrar na ordem social e no desejo dos seus pares, ou apostar na própria individuação, na singularidade radical. Esse paradoxalista vê as profundezas do subsolo como o único lugar onde é possível pensar e falar livremente, onde suas palavras não serão esvaziadas de sentido e onde pode se refugiar dos interesses do mundo dos que querem taxá-lo, pesá-lo e enquadrá-lo em uma medida estranha a si mesmo. Tal personagem das profundezas será a matriz de obras como Crime e castigo, O idiota, Os Demônios e Os irmãos Karamazov. Do mesmo modo que os personagens dostoievskianos, os indivíduos do nosso país têm de lidar com séculos de uma formação violenta orientada a negar os direitos de minorias e os restos de uma miserável e atrasada estrutura de classes, cujo conteúdo fermenta em um enorme esgoto e, por que não dizer, subsolo, em uma caixa de Pandora na qual a esperança ora desaparece, ora aparece por um breve segundo. Buscar quem se é ou o modo para ser quem se é em meio a crises são lições da obra do autor e desta coletânea, SUBSOLO 2020. Diante à pandemia e ao isolamento, fomos habitantes dos nossos subsolos durante um ano de clausura e agonia. Portanto, 2020 foi também o ano de visitarmos os subsolos do nosso ser, da nossa sociedade, do nosso projeto de modernidade. Nesse sentido, propomos a diferentes escritores e escritoras o desafio de escreverem contos com a temática SUBSOLO 2020, na qual as ideias de Dostoiévski que remetem ao subsolo e ao subterrâneo , pertinentes à sensibilidade artística e à nossa contemporaneidade, comporiam o eixo estrutural e lançariam luz aos dilemas do nosso tempo, deste tempo constituído por esgotos, violência, castigo e pela promessa de suspensão da pena. A quem quiser conhecer mais dos abismos e dos subsolos , Boa leitura!