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Os Cadernos Secretos de Sébastian

Os Cadernos Secretos de Sébastian

André Benjamim
0/5 ( ratings)
«– Desde os treze anos que ele escrevia esses diários. Estão dirigidos a ti. Foi para ti que ele os escreveu, quando um dia deixou de se sentir à vontade contigo. É o que ele diz na primeira página. A nós também nunca nos contou nada. Foi um choque para nós. – Inspirou, enquanto olhava, consternado, para mim. Ainda havia mais alguma – Tenho um pedido a fazer-te! – Sim, diga... – Era o seu desejo, queremos realizá-lo. Foi por isso que te telefonámos. Queremos que fi ques com os diários, que, afi nal de contas, são teus. Foi para ti que os escreveu... Mas temos um pedido a fazer-te. Queremos que respeites a sua memória; que deixes a sua alma partir em paz. Queremos que guardes só para ti tudo o que neles está escrito» Olhava para ela. O desejo que me acalentara e mantivera vivo realizara-se. Ela voltou para os meus braços. Mas não era a ela que eu desejava. Era a outra ela que existiu, em mim, através dela. Agora sabia que nunca poderia ser minha. Sabia que nem eu próprio me poderia entregar. Não era eu que ela queria. Era a outro que ela recriara em mim. Existimos nos outros em milhões de versões diferentes. Quantos Andrés percorrem as ruas em mim e eu não vejo? Foram outros nós – que nós desconhecíamos – que talvez se tenham amado. Continuava a desejar a mulher criada por mim em mim, num momento impreciso e sublime. Ela foi o corpo impossível no qual eu esculpi a minha obra. Mas naquele momento conhecia o embuste. Olhava para ela e sentia desejo. E repulsa. Como seria o André, meu irmão gémeo, que ela enganava? Como era o André que se debruçava sobre o seu ser, ouvindo o murmúrio vibrante dos seus lábios doces e suculentos? Inveja e raiva. Inveja. Do André que ela amava, do André amado por ela que eu queria ser, do André com o qual eu não podia competir, sob pena de ambos a perdermos. Raiva. Por a não poder transformar na imagem que usurpava o meu pensamento. Cada indivíduo é uma língua nativa, com termos muitos próprios cujos significados ímpares se perdem na tradução de um sujeito para o outro. Talvez, se me dedicasse com maior afinco, tivesse conseguido apreender a sua língua. Ouvia-a com atenção. Memorizava cada som expirado pela sua boca. E tentava decifrar-lhe o significado. Jogava com pedia-lhe para me explicar o que queria dizer com o que dizia. Mas ela fartava-se depressa. Era muito impaciente... Tinha que avançar devagar. Desbravar terreno. Apalpá-lo com calma e dar pequenos passos. Avançava às escuras. Oh! Doce ilusão. Doce engano. «Talvez venha a conseguir lançar pontes entre as duas linguagens.» Dizia para mim mesmo.
Language
Portuguese
Pages
302
Format
Paperback
Release
January 01, 2006
ISBN 13
9781482679342

Os Cadernos Secretos de Sébastian

André Benjamim
0/5 ( ratings)
«– Desde os treze anos que ele escrevia esses diários. Estão dirigidos a ti. Foi para ti que ele os escreveu, quando um dia deixou de se sentir à vontade contigo. É o que ele diz na primeira página. A nós também nunca nos contou nada. Foi um choque para nós. – Inspirou, enquanto olhava, consternado, para mim. Ainda havia mais alguma – Tenho um pedido a fazer-te! – Sim, diga... – Era o seu desejo, queremos realizá-lo. Foi por isso que te telefonámos. Queremos que fi ques com os diários, que, afi nal de contas, são teus. Foi para ti que os escreveu... Mas temos um pedido a fazer-te. Queremos que respeites a sua memória; que deixes a sua alma partir em paz. Queremos que guardes só para ti tudo o que neles está escrito» Olhava para ela. O desejo que me acalentara e mantivera vivo realizara-se. Ela voltou para os meus braços. Mas não era a ela que eu desejava. Era a outra ela que existiu, em mim, através dela. Agora sabia que nunca poderia ser minha. Sabia que nem eu próprio me poderia entregar. Não era eu que ela queria. Era a outro que ela recriara em mim. Existimos nos outros em milhões de versões diferentes. Quantos Andrés percorrem as ruas em mim e eu não vejo? Foram outros nós – que nós desconhecíamos – que talvez se tenham amado. Continuava a desejar a mulher criada por mim em mim, num momento impreciso e sublime. Ela foi o corpo impossível no qual eu esculpi a minha obra. Mas naquele momento conhecia o embuste. Olhava para ela e sentia desejo. E repulsa. Como seria o André, meu irmão gémeo, que ela enganava? Como era o André que se debruçava sobre o seu ser, ouvindo o murmúrio vibrante dos seus lábios doces e suculentos? Inveja e raiva. Inveja. Do André que ela amava, do André amado por ela que eu queria ser, do André com o qual eu não podia competir, sob pena de ambos a perdermos. Raiva. Por a não poder transformar na imagem que usurpava o meu pensamento. Cada indivíduo é uma língua nativa, com termos muitos próprios cujos significados ímpares se perdem na tradução de um sujeito para o outro. Talvez, se me dedicasse com maior afinco, tivesse conseguido apreender a sua língua. Ouvia-a com atenção. Memorizava cada som expirado pela sua boca. E tentava decifrar-lhe o significado. Jogava com pedia-lhe para me explicar o que queria dizer com o que dizia. Mas ela fartava-se depressa. Era muito impaciente... Tinha que avançar devagar. Desbravar terreno. Apalpá-lo com calma e dar pequenos passos. Avançava às escuras. Oh! Doce ilusão. Doce engano. «Talvez venha a conseguir lançar pontes entre as duas linguagens.» Dizia para mim mesmo.
Language
Portuguese
Pages
302
Format
Paperback
Release
January 01, 2006
ISBN 13
9781482679342

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